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  • Ana Beatriz Bartolo

Putin enfraquecido internamente pode levá-lo a medidas extremas na Ucrânia

Por Ana Beatriz Bartolo

26 de Setembro de 2022



Fonte: Reuters


Investing.com - Após sete meses da invasão da Ucrânia pela Rússia, o conflito ganhou um novo capítulo com o presidente russo, Vladimir Putin, reclassificando o conflito de "operações especiais" para “mobilização parcial”. Na prática, a convocação de parte da população (especificamente de reservistas) para a linha de frente dos embates é uma escalada na violência e eleva as apostas militares de Putin no conflito.


Para o cientista político Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM, há dúvidas sobre a capacidade russa de treinar e armar esses soldados. Porém, o mais preocupante é que não há uma certeza sobre quais são as intenções de Putin em relação ao conflito, o que dificulta a negociação de paz na região.


Esse novo capítulo também pode abalar o apoio que Putin tem dentro da Rússia, o que segundo Rudzit obriga o líder a tomar ações para contornar oponentes e demonstrar força, podendo causar decisões extremas, como o uso de armas nucleares.


Já no contexto internacional, o professor da ESPM diz que é difícil prever o que vai acontecer. Com as sanções econômicas e a dependência que o continente europeu possui do gás russo, é difícil prever até que ponto aliados como Índia e China ficarão do lado da Rússia e o quanto a União Europeia pode manter a sua unidade.


Rudzit conversou com exclusividade com o Investing.com Brasil na última sexta-feira (23) para explicar o cenário atual causado pelo conflito em território ucraniano. Confira abaixo a entrevista:


Investing.com - Quais são os efeitos da mudança de “operações especiais” para “mobilização parcial”?

Gunther Rudzit - Primeiro, tudo indica que não está sendo uma mobilização parcial. Há diversos relatos de mobilização de homens com idade acima do que era previsto, até na casa dos 50 anos, e jovens que não fizeram nem serviço militar. Então, o governo russo anunciou uma mobilização militar, mas está indo muito além disso.

O efeito prático disso é convocar o maior número de soldados possível para ir pra frente de batalha. O grande problema para o governo russo é que, pela estrutura russa, quem treina os novos recrutas são os chamados “soldados e oficiais voluntários”, aqueles que são os profissionais que assinam contrato de alguns anos para servir as Forças Armadas. Mas, esses voluntários estão na frente de batalha.


Para conseguir treinar uma quantidade tão grande assim de pessoas, vai ser difícil com esse sistema que eles têm. Se retirarem esses voluntários da frente de batalha, eles vão se enfraquecer. Mas se não tirar, não vai ter um preparo tão bom para esses convocados.

Segundo: tudo indica que já há uma perda muito grande de material e equipamento militar por parte da Rússia. Então, como armar de uma hora pra outra tantos soldados assim?

Há sérios questionamentos da capacidade de utilização desses soldados de forma efetiva pelo exército.


Inv.br - É por causa disso que Putin não declara guerra formalmente à Ucrânia?

GZ - O Putin tem o receio de admitir que é uma guerra. Ele vem mudando o discurso aos poucos. Agora, ele fala em defender a pátria e não está mais falando em operações militares especiais. Ele também sabe que uma guerra gera um descontentamento bastante grande e já há pessoas que estão tentando fugir do país.


Inv.Br - Como fica a popularidade de Putin com maior mobilização da população ao conflito?

GZ - Esse é o grande problema para ele porque já está aparecendo questionamentos e, com essa fuga em massa, as pessoas começam a não acreditar. Mas existe uma diferença entre a realidade e aquilo que os institutos de pesquisas russos vão indicar.


Mas, a popularidade é o grande calcanhar de Aquiles de Putin. Mesmo um governo autoritário precisa ter o apoio da população. Sem isso, ele cai.


Inv.Br - Então, realmente existe a possibilidade da população se voltar contra Putin e acontecer uma ruptura de poder?

GZ - Da população, não. Mas, do grupo que sustenta ele no poder, sim. Porque ele não governa sozinho. Então, é esse grupo em volta dele que pode começar a ver as perdas como sendo maiores do que os ganhos. E aí acaba tendo um golpe. Não é à toa que tem tantos líderes russos “se jogando na janela” ou que “caem da escada”. Nunca antes na história teve tantos líderes se suicidando ou morrendo de forma estranha. Isso é o Putin com receio de ser derrubado.


Inv.Br - Após 7 meses de conflito, é possível saber quais são os reais objetivos de Putin com o conflito?

GZ - Não sabemos direito qual é o objetivo e esse é o problema. Porque se não há a mínima possibilidade de haver convergência de pontos de vista para conseguir negociar algum um cessar-fogo e depois um acordo de paz, a guerra não termina.


Inv.Br - Qual é o significado da estratégia de realização de referendos de anexação nos territórios ao sul e leste da Ucrânia?

GZ - Esses territórios vão passar a ser território russo, segundo a versão Moscou. Assim, Putin vai poder usar todos os seus poderes constitucionais para defender o país e aí pode ser que ele convoque uma mobilização total. Ao que tudo indica, esse seria o caminho e por isso ele acelerou esses referendos.


Inv.Br - Putin faz ameaças sobre o uso de armas nucleares. Isso pode realmente acontecer? Ou vai ser um blefe?

GZ - Não acho que seja um blefe. Só que é preciso entender que existem diferentes categorias de armas nucleares. As armas estratégicas que são as de grande potência que destroem cidades ele não vai usar porque ele acabaria com a Rússia. Se ele atacar a Otan, a retaliação vem e destrói a Rússia.


Agora, as armas nucleares táticas podem ser usadas. Elas são algo em torno de 3 quilotons (kt) a 5 kt. Para se ter uma ideia, a bomba de Hiroshima - lançada pelos EUA em território japonês no fim da Segunda Guerra Mundial - tinha em torno de 7 kT. Então, é abaixo de Hiroshima e pode ser utilizado em campo aberto para matar muitos soldados ucranianos, mas tem alguns pontos negativos disso.


A China e a Índia são altamente contrárias a isso. E isso também lançaria uma quantidade muito grande de radioatividade na atmosfera que pode inclusive ir na direção da Rússia. Então, o Putin vai usar uma arma dessa se realmente estiver na iminência de cair ou se as suas forças armadas perderem literalmente o controle da frente de batalha. É a arma do desespero.


Inv.Br - Os líderes da China e da Índia demonstraram publicamente desconforto com o conflito em frente a Putin durante reunião do Conselho dos Líderes dos Estados Membros da Organização de Cooperação de Shanghai. Como esses dois países veem o conflito atualmente e qual desfecho desejam?

GZ - São duas visões distintas. A Índia realmente se opõe à guerra porque também tem disputas fronteiriças com a China. A alta do petróleo e das commodities também tem afetado profundamente também a Índia, que sofre uma pressão muito grande dos Estados Unidos e dos europeus.


A China no começo era praticamente uma aliada incondicional da Rússia, só que diante da reação financeira comercial sofrida e dos reveses militares sofridos pelos russos, o governo chinês está se colocando numa posição não tão próxima de Moscou, por receio também do que pode acontecer com ela. Mas, o principal interesse chinês é estudar esse conflito para não cometer os mesmos erros em Taiwan.


Inv.Br - A pressão causada nas commodities também deve fazer com que a China reduza seu apoio à Rússia?

GZ - Acho que abertamente a China nunca vai se posicionar, mas ela vai pressionar Putin para ele acabar com a guerra logo. Entre aspas, “a sorte do Putin” é que o preço do petróleo já caiu, o que ajuda vários governos, inclusive governo chinês, mas também prejudica a Rússia nas suas exportações de petróleo.


É uma situação muito, mas muito complexa, mas não interessa ao governo chinês ver uma Rússia derrotada, que possa implodir politicamente ou haver a troca do Putin por algum líder que não seja tão conflituoso com o Ocidente.


Inv.br - O inverno se aproxima na Europa e o risco de corte total de gás pela Rússia também. Até que ponto os europeus se manterão firmes com as sanções já impostas?

GZ - Essa pergunta vale hoje US$ 1 trilhão no mínimo. Ninguém sabe.

Domingo teve eleições na Itália e tudo indicava que partidos de extrema direita vão conseguir chegar ao poder [Nota do editor: a entrevista foi realizada na sexta-feira, mas os resultados das urnas confirmaram a vitória da coalizão de direita liderada por Giorgia Meloni].


A Itália é um pequeno exemplo do que pode acontecer no restante da Europa. Entretanto, os governos vêm se preparando para o inverno. Inclusive, a Espanha já anunciou que vai aumentar o envio de gás natural para França e para a Alemanha. Os países europeus estão se mobilizando para tentar evitar esse cenário extremo.


Agora, vamos ter que esperar para ver se vai ter falta de gás mesmo. Porque os governos europeus vêm procurando aumentar o estoque de gás justamente para enfrentar o inverno. Então, se eles conseguirem isso, pode ser que não tenha essa pressão. Se eles não conseguirem, também não é certo se a população vai lutar contra os seus governos. Ainda mais nesse momento em que se está atacando indiscriminadamente a infraestrutura civil e pode ser que haja uma arma nuclear, que aí sim, realmente pode mudar todo o cenário dos eleitores europeus.


Inv.br - As sanções internacionais impostas à Rússia mostraram os limites da legitimidade do sistema monetário internacional em relação ao uso do dólar como reserva internacional, pois mostrou o risco de países terem suas reservas congeladas. Essa guerra e a aliança estratégica entre Rússia e China estabelecida em fevereiro durante a Olimpíada de inverno na China pode ter dado início a um novo arranjo no sistema monetário internacional?

GZ - No longo prazo pode ser, mas não existe moeda circulante suficiente para abastecer o sistema financeiro internacional que não seja o dólar. Papel moeda mesmo. É como Charles de Gaulle, ex-presidente da França, já disse nos anos cinquenta: é um privilégio exorbitante do governo americano. Mas o dólar é a moeda da reserva internacional, no qual as pessoas têm confiança e que correm em momentos de crise. Então, eu não vejo a possibilidade disso acontecer no curto e médio prazo.


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