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Taxar super-ricos funciona? Entenda

Apesar da possibilidade de desestimular investimentos, especialistas concordam que taxação pode elevar arrecadação do governo


Por Ana Beatriz Bartolo, Valor

06 de Setembro de 2023



Riqueza — Foto: Cottonbro studio/Pexels

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva está buscando aumentar a sua arrecadação por meio da tributação de produtos financeiros que anteriormente eram isentos. As medidas afetam o público chamado de “super-ricos”, que representam uma parcela mínima da população brasileira.

O argumento do governo é que o aumento da tributação dessa elite financeira ajuda a combater as desigualdades e a elevar as receitas federais. Além disso, o objetivo é diminuir a “elisão fiscal”, que é quando são utilizadas brechas legais ou manobras contábeis para reduzir a carga tributária devida por um indivíduo ou empresa.

Até o momento, uma medida provisória (MP) foi publicada como objetivo de taxar os chamados “fundos exclusivos”, que possuem um cotista único e tem um valor mínimo de R$ 10 milhões. Além disso, há um projeto de lei enviado ao Congresso Nacional que também pretende taxar os rendimentos de aplicações em offshores, enquanto há discussões sobre tributar dividendos e heranças.

Na visão de Heleno Torres, professor de direito financeiro da USP, o avanço nas propostas de tributação reflete o amadurecimento de discussões que estão sendo realizadas há algum tempo. “As medidas são importantes para assegurar uma tributação equilibrada entre os fundos de investimentos, criando uma isonomia alinhadas com as práticas internacionais”, diz o especialista.

Tributar os super-ricos eleva a arrecadação federal?

Rodrigo Maito, especialista em Direito Tributário e sócio do Dias Carneiro Advogados, explica que "o governo federal está tentando buscar novas fontes de arrecadação para que o arcabouço fiscal pare em pé e [essas tributações] devem trazer um aumento de arrecadação, mas talvez não no mesmo nível que o governo”, diz Maito.

Torres destaca que o governo está oferecendo uma “vantagem” para quem quiser se adequar ao novo modelo de tributação. “Nenhum lucro passado por ser tributado pelo regime novo, mas quem quiser, pode antecipar esse lucro do regime antigo e pagar o imposto de renda com uma alíquota reduzida”, comenta Torres.

Caso essa possibilidade tenha adesão, então isso resultaria em uma arrecadação presente de valores que só seriam recolhidos no futuro, quando o investidor vendesse as suas cotas.

Já na visão de Rafael Lima, gerente sênior de Tax da Mazars, a perspectiva de aumento da arrecadação não pode ser tida como uma certeza e nem o seu impacto na distribuição de renda. “Na prática, não há evidência de que realmente funciona, o debate está mais para o lado especulativo do que de evidências empíricas da correção de desigualdade socioeconômicas por meio deste tipo de tributação”, fala Lima.

Efeitos colaterais da tributação dos super-ricos

O aumento da tributação costuma ser um assunto impopular entre a população, independentemente da sua classe social, e é comum que as pessoas busquem alternativas para reduzir a sua carga tributária.

“A resistência ao tributo só porque ele passa a ser anual, como para qualquer contribuinte, não faz sentido nenhum”, diz Torres. Para ele, os super-ricos não precisam ter medo da tributação, porque “a partir de agora há mais liberdade para movimentar os recursos, já que há uma equiparação entre os fundos nacionais e estrangeiros”.

Por outro lado, Samir Choaib, advogado tributarista e sócio do escritório Choaib, Paiva e Justo, afirma que, em seu escritório, já há clientes perguntando sobre a viabilidade de evitar a sua residência fiscal, como uma forma de burlar a tributação de patrimônios e reserva de capital no Brasil.

“Mudar a residência fiscal não é algo simples, porque você tem que ficar 183 dias a cada 12 meses fora do Brasil. Isso não é fácil, mas é um indício de que as pessoas estão buscando alternativas mais radicais”, diz Choaib.

Segundo ele, as pessoas estão fazendo consultas para se mudarem para países como Portugal, Uruguai e Panamá, onde a tributação é mais convidativa.

Além disso, os super-ricos podem optar por outras estratégias para tentar contornar as cobranças estipuladas pela MP dos fundos exclusivos. “A nova norma traz algumas exceções, então pode haver uma tentativa de se criar uma estrutura que possa se encaixar nisso, porque, já que é para pagar impostos, então é preferível comprar ações diretamente no mercado e pagar na realização [do lucro]”, diz Maito.

Outro efeito colateral da tributação dos super-ricos, segundo Choaib, seria a diminuição de investimentos no país. “Os chamados super-ricos geram empregos, são empreendedores, então pode acontecer um desincentivo para isso”, diz Choaib.

Essa visão de que poderia haver uma redação nos investimentos é compartilhada por Lima. “Os contribuintes afetados por este ônus adicional se sentiriam desestimulados a expandir negócios visto que não poderiam usufruir do próprio rendimento ou patrimônio”, ressalta Lima.

Quais outras alternativas existem para elevar a arrecadação federal?

Apesar dos especialistas concluírem que a MP dos fundos exclusivos possa ter um impacto positivo na arrecadação federal, eles também concordam que há outras soluções que também ajudariam as contas do governo.

“É possível melhorar o sistema de tributação de lucros presumidos, classificar melhor as atividades em função do lucro das atividades, ou então poderíamos ter mais faixas de imposto de renda para atingir pessoas mais ricas”, argumenta Maito.

Já Choaib é um pouco mais incisivo e defende que o equilíbrio das contas públicas não deveria estar baseado apenas na arrecadação, mas também no controle de gastos. “Faria sentido a diminuição de despesas, mas esse é um outro lado que a gente não costuma ver ser discutido na mesma frequência”, diz Choaib.

A MP dos fundos exclusivos realmente eleva a tributação dos super-ricos?

Um ponto em comum entre os especialistas é que a MP dos fundos exclusivos não significa necessariamente o aumento da tributação para os super-ricos. O que estaria acontecendo seria o fim do diferimento entre esse tipo de fundo e os fundos abertos, mais populares e acessíveis.

"Com essa taxação dos fundos exclusivos, a gente está falando do fim de um diferimento, antecipando o pagamento de impostos”, diz Maito. O especialista explica que a MP iguala a forma de tributação dos fundos exclusivos com outros ativos similares.

Os fundos abertos costumam pagar impostos duas vezes ao ano, em maio e em novembro, o que é conhecido como “come-cotas”. Maito explica que essa cobrança é feita sobre o ganho potencial que a pessoa teria caso vendesse as suas cotas. Na prática, o governo está antecipando a cobrança de impostos que só seriam recolhidos quando o investidor decidisse se desfazer do ativo.


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