Os dois chefes de Estado usam as redes sociais para tentar se conectar diretamente com os seus eleitores
Por Ana Beatriz Bartolo, Valor
04 de Setembro de 2023
As redes sociais aproximaram as pessoas e possibilitaram uma comunicação mais direta, o que favoreceu a construção de comunidades virtuais. Assim, não é de se estranhar que políticos tenham aproveitado essa facilidade para mobilizar seu eleitorado pela internet.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inovou ao utilizar as próprias redes sociais para realizar transmissões ao vivo, as chamadas lives, durante o seu governo para divulgar as suas ações, conversar com o seu público mais fiel e atacar os seus oponentes.
A estratégia manteve o engajamento do eleitorado alto e também possibilitou que o ex-presidente tivesse um espaço livre para transmitir as suas próprias narrativas. Assim, a iniciativa rapidamente foi “copiada” pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estreou o seu “Conversa com Presidente” em junho, reforçando a sua presença digital.
Diferenças em números
Um levantamento realizado pelo Núcleo de Tecnologia do Departamento de Comunicação (NudTec) da PUC-Rio indica que Bolsonaro possuía um engajamento maior que Lula em suas transmissões ao vivo.
A pesquisa levou em consideração as lives de Bolsonaro entre abril e julho de 2019, no seu primeiro ano de governo, e os vídeos transmitidos por Lula entre abril e julho de 2023. O recorte de tempo considera períodos similares nos mandados dos dois políticos e também se baseia em todas as transmissões ao vivo realizadas por ambos e não apenas as lives mais longas.
O programa de Lula tem entre 30 mil e 104 mil visualizações no YouTube, enquanto, no Facebook, os “views” acumulam 13 milhões em 107 vídeos, o que representa uma média de 121 mil expectadores por live. As interações semanais na rede social de Mark Zuckerberg ficam, na média, em 150,7 mil.
Já Bolsonaro recebeu entre 333 mil e 919 mil visualizações no YouTube e teve uma média semanal de 194,6 mil interações no Facebook. Na rede do social de Zuckerberg, o ex-presidente realizou 233 lives com uma média de 77 mil “views”, acumulando 18 milhões de visualizações.
Para Arthur Ituassu, professor da PUC-Rio e responsável por liderar a pesquisa do NuTec, os números mostram que o presidente Lula está um passo atrás do ex-presidente.
“O ideal seria pensar um modelo mais amplo de comunicação política que, de fato, se diferenciasse do governo anterior, que colocasse uma marca própria”, diz Ituassu.
Porém, para Roberto Gondo, professor de comunicação política da Universidade Mackenzie, os números das lives podem não refletir corretamente a popularidade dos políticos. Ele explica que parte do eleitorado de Lula não possui acesso às lives por falta de internet e aparelhos eletrônicos, ao mesmo tempo em que as lives de Bolsonaro eram capazes de atrair curiosos, além do público bolsonarista.
“Os números digitais não significam muita coisa porque a realidade do Brasil é outra, tem gente que não tem nem smartphone, então validar a popularidade de um político nisso é achar que tudo gira em torno do meio urbano”, diz o professor do Mackenzie.
Diferenças entre as lives de Lula e Bolsonaro
Ambos os políticos tentam realizar as suas lives semanalmente de dentro do Palácio do Planalto. Porém, eventualmente, as agendas dos dois chefes de Estados fizeram com que eles fugissem com calendário planejado.
Fora essa semelhança, os dois programas possuem características diferentes. Bolsonaro costumava fazer a sua transmissão de dentro da biblioteca, se posicionando de frente para a câmera e passava boa parte da live comentando os assuntos que tinha anotado em papéis espalhados pela mesa a sua frente.
Lula, por outro lado, usa um estilo de entrevistas de podcasts, com microfone aparecendo e sentado em frente ao jornalista Marcos Uchôa, da TV Brasil, que é quem conversa com o presidente, liderando o bate-papo.
Gondo explica que ambos os políticos usam as lives para fidelizar a base de apoio, mas que os formatos diferentes refletem as particularidades de cada imagem pública.
“Bolsonaro queria criar uma imagem do ‘homem do povo’, algo que o Lula não precisa fazer. Além disso, Bolsonaro fez uso das lives para incitar a plateia ou para criar uma cortina de fumaça sobre assuntos delicados do governo”, diz Gondo.
Já os programas de Lula possuem um caráter mais “boletim informativo”, na visão do professor do Mackenzie, com a pauta da live alinhada com as outras comunicações oficiais do governo.
“Para o Lula, é melhor estar presente [no mundo digital] do que não estar, mas Lula foi presidente há 20 anos, em um mundo sem viralização nas redes. Ele percebeu que uma frase sem contexto pode colaborar para uma crise, então ele precisa de um ambiente mais controlado”, diz Gondo sobre o perfil menos espontâneo das lives de Lula.
A estratégia de mobilização por trás das lives
Para o professor do Mackenzie, as lives representam uma forma contemporânea de fazer política. “Até 10 anos atrás, lives não eram relevantes, mas agora essa mudança já tomou conta até das eleições, quando o Lula priorizou participar da live do podcast Flow ao invés de ir ao SBT News [em 2022], por exemplo. Isso porque a live fala com um público mais dirigido”, explica o professor.
Tanto Lula quanto Bolsonaro participaram do podcast Flow, comandado por Igor Rodrigues Coelho, durante as eleições 2022. Com a entrevista realizada no dia 18 de outubro de 2022, o pico da audiência do petista chegou a 1,09 milhão de pessoas assistindo a live simultaneamente. Já no caso de Bolsonaro, que participou do podcast em 08 de agosto de 2022, teve com pico de audiência 573 mil pessoas.
“A live é legal porque é perfeita para acompanhar a mobilidade urbana”, diz Gondo, o que explica a popularidade desse formato de conteúdo.
O professor do Mackenzie relata que essa iniciativa também é adotada por líderes políticos de outros países, como no México, onde o presidente Andrés Manuel López Obrador realiza no seu canal de YouTube uma “Conferência Matutina” para falar diretamente com o seu eleitorado e a imprensa.
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