-- Colaboração em entrevistas com especialistas.
Bloco de partidos completa três décadas em 2019 como fiel da balança na relação da Câmara dos Deputados com todos os presidentes eleitos democraticamente desde 1989
Adriana Ferraz e Paulo Beraldo, O Estado de S.Paulo
08 de junho de 2019
Alvo recente de protestos de rua e símbolo do que vem sendo chamado de “velha política”, o Centrão completa neste ano três décadas como fiel da balança na relação da Câmara dos Deputados com todos os presidentes eleitos democraticamente desde 1989. De lá para cá, a atuação desse conjunto de partidos – organizados sempre para ter força na negociação com o Executivo – foi determinante para manter ou tirar presidentes do cargo, aprovar ou recusar reformas e ainda definir o ritmo da pauta, especialmente quando o governo tem dificuldades em articular uma base parlamentar. Hoje, reúne 42% dos partidos com representação na Casa.
Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), realizado a pedido do Estado, mostra que o Centrão atual, com cerca de 225 deputados, perdeu 16% de seus votos na comparação com os governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. Até a posse de Jair Bolsonaro, o bloco tinha 270 representantes, o maior desde a redemocratização. Mas confirma também que a força do grupo não está necessariamente em seu tamanho, mas em sua capacidade de articulação – tem representantes em 11 dos 26 dos partidos da Câmara.
A situação atual reflete a história do bloco idealizado ainda na Constituinte, em 1987. O grupo mostrou força logo na primeira composição. Resultado de um racha entre conservadores e progressistas do MDB, e criado para defender os interesses liberais do mercado nas fases de subcomissões e comissões temáticas, o Centrão reuniu logo no seu início em torno de 300 dos 559 constituintes (487 deputados e 72 senadores) e passou a influenciar todo o processo ao conseguir, em plenário, mudar o regimento interno.
Ao longo de três décadas, o Centrão foi decisivo para os diversos governos, contra e a favor. Como na aprovação do mandato de cinco anos para José Sarney, do impeachment de Dilma, e na rejeição das denúncias contra Temer.
Ainda que sem um caráter orgânico como visto hoje, já era possível identificar na origem do bloco alguns porta-vozes e ao menos quatro interesses que os uniam: o liberalismo econômico, a pauta conservadora nos costumes e as demandas ruralistas e governistas. Entre os líderes destacavam-se os deputados Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), Roberto Cardoso Alves (PMDB-SP) e Ricardo Fiúza (PFL-PE), todos já falecidos.
“A atuação do Centrão, enquanto grupo organizado, com liderança, funcionou na Constituinte, no governo José Sarney, e posteriormente nos governos Dilma, Temer e agora, no de Bolsonaro”, disse o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Diap. Mas, segundo ele, nas gestões de Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, embora não existisse formalmente o Centrão, os partidos que constituíam o seu núcleo se mantiveram decisivos.
“Quando o presidente se mostra mais proativo, o Centrão se enfraquece”, afirmou o cientista político Luiz Domingos Costa, da PUC-PR. De acordo com ele, a flutuação no número de integrantes ao longo do tempo deriva diretamente da capacidade de organização da base do governo. “A dificuldade de articulação abre espaço. Quando o Centrão quer, aprova projetos. Mas quando não quer, consegue travar o governo.”
A relação de embate com o governo Bolsonaro tornou o bloco alvo principal das manifestações de 26 de maio. Naquele domingo, apoiadores do presidente foram às ruas criticar a postura dos representantes do bloco, que, por exemplo, votou por tirar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, comandado pelo ex-juiz Sérgio Moro.
Renovação nas urnas explica encolhimento do Centrão
A forte renovação das urnas em 2018 explica o menor número do Centrão. No atual cenário, dois fatores fortalecem o grupo: o partido do presidente – que passou de 1 para 54 deputados na última legislatura e tem pouca experiência na articulação política – e a indisposição de Bolsonaro para acordos com o Parlamento, o que tensiona a relação.
Pela composição do atual Centrão e pelas polêmicas relacionadas ao bloco no governo Bolsonaro – além do Coaf, o grupo aprovou, por exemplo, o Orçamento Impositivo, que limita o controle do presidente sobre a execução orçamentária –, antigos líderes veem hoje diferenças entre as diversas composições. É o caso do ex-deputado federal Bonifácio de Andrada, de 89 anos, que deixou a Câmara neste ano, após dez mandatos consecutivos.
“Apenas o nome é igual. São duas substâncias parlamentares totalmente diferentes. Naquela época, o Centrão tinha uma incumbência e uma responsabilidade para a vida nacional. Era uma situação de anormalidade política, estávamos fazendo a Constituição. Hoje, é um momento de normalidade política. O Centrão define se apoia ou não o presidente”, disse, sem se posicionar contra ou a favor da atuação do bloco.
3 PERGUNTAS PARAS .... Fabio Saboya, consultor político e 1º assessor parlamentar do Centrão
1. O sr. participou da criação do Centrão, em 1987. Como vê a forma pejorativa com a qual o bloco é tratado hoje?
Com muita tristeza. Aquele Centrão não existe mais, tinha princípios, tinha uma causa. Foi criado para defender os interesses dos setores produtivos que estavam escanteados nas subcomissões da Constituinte. E conseguimos votar e aprovar a democratização do regimento de forma que qualquer ponto ou vírgula que saísse na Constituição tivesse a aprovação de 280 votos, maioria do plenário.
2. O que teria desvirtuado o bloco partidário?
A ideologia lá de trás deu lugar ao fisiologismo, à adesão ao chamado governo de coalizão, ao famoso “toma lá, dá cá”. (O ex-presidente da Câmara e deputado cassado) Eduardo Cunha (MDB-RJ) é o maior símbolo dessa fase. Ele usou o Centrão para se projetar e manchou de vez o nome do bloco.
3. Qual a importância do Centrão, e sua influência no governo Jair Bolsonaro?
O bloco segue forte. Por mais que tenha perdido representantes em relação a Dilma (Rousseff) e a (Michel) Temer, o Centrão ainda tem um poder de veto muito importante, o que faz toda a diferença para um governo. /COLABOROU ANA BEATRIZ BARTOLO, ESPECIAL PARA O ESTADO
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